‘Andar com a casa à costas...’
Face às limitações do seu habitual campo, que não apresenta as medidas regulamentares exigidas para a participação em provas nacionais, o Barreiro vai enfrentar o regresso à Série Açores, digamos, que "de casa às costas", fazendo do municipal de Angra o "seu campo". Entende que este pode ser um handicap?
Vai ser uma dificuldade extra, é preciso reconhecer. Aliás, faço um apelo à massa associativa do Barreiro para que compareça no Municipal de Angra, se possível já no próximo dia 25, para a Taça de Portugal. Este apoio é importantíssimo para a equipa. É evidente que preferíamos jogar no campo do Barreiro. É um transtorno este deslocamento para o campo de Angra, onde apenas vamos treinar duas vezes por semana. O campo do Barreiro é mais curto do que o de Angra e, a nível de posicionamento, estas diferenças vão obrigar a uma readaptação dos jogadores. No arranque da prova, isto pode dificultar a nossa intenção de entrar no campeonato com o pé direito. Já frente ao Moura, teremos de consciencializar o plantel que a "nossa casa" será o Municipal de Angra.
DINHEIRO
Ao longo dos últimos anos, nomeadamente após a sua chegada ao corpo técnico do clube, o Barreiro tem assumido um projeto de sucesso e em que o mérito deste trabalho no futebol terceirense é reconhecido por todos. Qual a filosofia de um clube como o Barreiro?
O Barreiro é um clube de freguesia, alicerçado numa base familiar, por assim dizer. Aliás, é uma característica que tive o privilégio de constatar ainda no tempo em que fui jogador deste clube. O segredo passa pelo forte relacionamento entre todos, incluindo a direção, onde o convívio é a palavra de ordem, espírito que é transmitido aos elementos que, ao longo dos anos, se vão juntando a nós. Equipa técnica e corpo diretivo tentam dar sempre o seu melhor e, todos juntos, trabalhamos para o sucesso do coletivo e da instituição. Penso que um dos pontos mais importantes prende-se com a continuidade deste trabalho, que não é posta em causa pelas derrotas. Esta compreensão por parte das sucessivas direções tem sido fundamental. Aliás, enquanto treinador, não me tem faltado o apoio necessário, suporte indispensável para que os resultados possam aparecer.
O que é que o Barreiro tem ganho com o trabalho realizado ao longo dos últimos anos?
Tem ganho imenso, inclusive a nível Açores, no que toca ao prestígio e ao enriquecimento do nome da coletividade além das fronteiras do Porto Judeu. O clube tem sido capaz, também, de promover um lote já considerável de jogadores. Aliás, embora me deixe feliz poder contribuir para o seu sucesso, é com muita pena que os vejo partir. São jovens atletas que, caso tivessem continuado no Barreiro, teriam certamente contribuído para que a instituição pudesse conquistar outro tipo de solidez. Todas as épocas estamos obrigados a formar uma nova equipa, pois há sempre alguém que ruma a outras paragens. A estabilidade só acontece com o tempo, o que significa que estes atletas teriam de permanecer no Barreiro durante mais três/quatro anos. Procuramos gerir todas estas situações, mas o Barreiro acaba sempre por perder muito com estas saídas.
O que tem faltado para que esta continuidade em termos de plantel possa ser uma realidade?
O clube oferece excelentes condições, quer em termos humanos, quer a nível da própria estrutura do clube. No entanto, há sempre clubes com capacidade de oferecer outras condições no aspeto monetário e os atletas optam, como é lógico, por outra alternativa. Quantos jogadores o Barreiro já forneceu a outras equipas?
Mas é também esse um objetivo do clube, ou seja, valorizar atletas?
Claro que sim e é importante formar jogadores, mas também seria crucial para o clube que muitos destes atletas se mantivessem mais tempo no Barreiro. Esta estabilidade poderá ser alcançada se formos capazes de cimentar um lugar na 3.ª Divisão. É sinal de que teremos outro tipo de argumentos para cativar determinados jogadores. Isto será determinante para fortalecer o projeto do clube. Penso que o cerne da questão é simples: dinheiro. Neste aspeto, não temos armas para combater de igual para igual.
Embora seja o treinador da equipa principal, olha igualmente para a formação com especial atenção?
Sempre e este aspeto é muitíssimo importante para o clube. Já estou há oito épocas no Barreiro e temos dado continuidade a esta linha de orientação, bastando verificar quantos atletas formados no clube estão a atuar em equipas como o Angrense e o Lusitânia. É preciso referir, ao mesmo tempo, que o Barreiro também tem apresentado excelentes resultados desportivos a nível dos escalões mais jovens, o que é sinal de qualidade.
Esta qualidade tem servido apenas para reforçar outras equipas, ou Barreiro tem conseguido retirar mais-valias desta aposta?
Sinceramente, as mais-valias são poucas. O jogador sai, ingressa noutra equipa qualquer e o retorno é quase nulo. Fica o prestígio, mas, até monetariamente, o retorno é pouco. Acaba por ser um trabalho algo inglório.
Regional ‘caminha para o fim’
Quando rebobina a época passada, como analisa aquilo que foram as provas sob a égide da Associação de Futebol de Angra do Heroísmo, especialmente no que concerne ao campeonato?
Acima de tudo, o grande problema prende-se com a escassez de equipas. Torna-se uma prova demasiado repetitiva e que acaba por cansar e causar algum desinteresse. Com mais adversários, a competitividade também aumentava. Ainda assim, mesmo com este handicap, creio que se pratica bom futebol e com alguns bons valores individuais, análise inserida, claro está, naquilo que é o nível qualitativo de uma prova de âmbito regional. Com mais equipas, esta qualidade poderia ser valorizada.
Em entrevista ao DI, Saúl Neves, Diretor Técnico da Associação de Futebol de Angra do Heroísmo, admitiu que, na próxima época, o regional poderá contar apenas com três/quatro equipas. Como analisa este cenário?
É lamentável que assim seja. Estão todos a derivar para o futsal à procura do pavilhão. Há que encontrar formas de cativar os jogadores. Como se faz isto? É uma boa pergunta, mas há que fazer qualquer coisa para mudar este rumo, pois o próprio futsal começa a superar o futebol. O futebol regional está cada vez mais fragilizado e, com apenas três/quatro equipas, tudo será ainda mais complicado. A falta competição torna triste o futebol. Sinceramente, por este caminho, penso que o futebol regional está a caminhar para o fim... É muito difícil sobreviver no futebol regional e os dirigentes enfrentam enormes dificuldades. Os apoios são poucos ou quase nulos e não existe margem de manobra para que se estabeleçam vencimentos aos jogadores. No Barreiro, apostamos na convivência, promovendo alguns eventos que servem, acima de tudo, para fortalecer o espírito de grupo. Esta é a forma encontrada para que um clube que não tem receitas para suportar vencimentos possa sustentar uma equipa. Penso que temos feito bem este trabalho de superação destas dificuldades.
Enquanto homem do futebol, qual a sua opinião sobre os anunciados cortes no apoio ao desporto, não só no que toca aos subsídios oficiais, mas também nas verbas provenientes das autarquias? No fundo, como vê o futuro do futebol?
O futuro não será fácil, mas a realidade do país assim o obriga. As instituições têm, forçosamente, de encontrar formas de ultrapassar esta redução de verbas. Aliás, temos de encontrar estas soluções de forma conjunta, para bem do futebol. De outra forma, penso que os próprios quadros competitivos podem estar em causa, pois os clubes terão problemas tremendos para suportar os custos, por exemplo, com as viagens e estadias.
Como vê a mais recente mudança nos campeonatos sob a tutela da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), com a extinção da 3.ª Divisão para 2013/14, ao passo que a Série Açores deixará de ser uma prova de âmbito nacional?
Ainda não são conhecidas a fundo quais as implicações desta alteração, desde logo no que toca às questões de logística e de arbitragem da Série Açores. Ainda assim, penso que a prova poderá perder algum interesse e competitividade. Acredito que o futebol regional tenderá a descer de qualidade e é cada vez mais necessário apostar na formação como forma de inverter este quadro. Há cada vez mais essa preocupação e será, sem dúvida, a forma mais positiva de encarar o problema, até porque o jogador açoriano tem qualidade.
SUBIDA
Consumada a vitória no Campeonato de Seniores da Ilha Terceira, o objetivo passou a ser o regresso à Série Açores?
Sem dúvida que sim. Depois de ganhar o campeonato, o pensamento só poderia ser este. Discutimos essa possibilidade no seio do balneário e reunimos todos os esforços para lutar pelo regresso à Série Açores, percebendo, ao mesmo tempo, que pela frente iríamos encontrar adversários com jogadores de fora da região.
Como analisa a prestação do Barreiro nessa altura decisiva da época?
O Torneio de Apuramento do Campeão da Associação de Futebol de Angra do Heroísmo foi muito positivo para o Barreiro, até porque foi bastante renhido, o que nos obrigou a reunir outro tipo de argumentos, desde a concentração à capacidade de luta e de superação. Marítimo da Graciosa e Marítimo Velense apresentaram boas equipas, o que também acabou por acrescentar mais valor à campanha que o Barreiro realizou durante a temporada passada. O grupo voltou a ser muito forte e, em termos de "jogo jogado", fomos sempre superiores aos nossos adversários, fazendo uso de um futebol apoiado e com maior capacidade de organização coletiva. Penso que apresentámos maior competitividade ao longo do torneio, o que também foi determinante para a vitória final.